quinta-feira, 20 de maio de 2010

Ecumenismo: Um Deus para agradecer

De modo tímido e evasivo, Pedro vinha me fazendo indagações freqüentes sobre um personagem importante em nossas vidas: Deus

O próprio. Decerto mexeram com os seus neurônios os meus pedidos de licença para orar duas vezes ao dia. Decidi, então, convidá-lo para que o fizéssemos juntos. Foi tocante introduzi-lo no território sagrado. Falei-lhe de minhas crenças e de como procuro manifestá-las. Pedro gostou da experiência, que hoje repetimos numa base semanal.

Nossas orações são, digamos, bastante ecumênicas. Em seu rito, lembram as preces islâmicas. Na falta de tapetes apropriados, esticamos toalhas de banho. É esse o nosso espaço de conexão com o sagrado. Iniciamos, ainda de pé, com a frase “aqui estou eu”, proferida pelos islâmicos como uma espécie de senha de acesso ao divino. Sentamo-nos, então, sobre as pernas dobradas e, por sete vezes, levamos a face ao chão, tocando-o com a testa e a ponta do nariz.

“Não sou muçulmano”, disse a Pedro, “mas gosto do jeito com que eles se relacionam com Deus”. Me atrai o conceito islâmico de submissão incondicional a Deus e o respeito profundo com que O reverenciam. A dimensão coletiva dessa fé, sua intolerância e o próprio Corão não me dizem o menor respeito.

A primeira lição que tentei passar foi a de que creio em Deus, não nas igrejas. Sequer sei dizer se meu Deus tem nome, substância ou forma. Sua presença, porém, é perceptível o tempo todo em tudo. E, principalmente, no simples fato de estarmos vivos. De sermos feixes de moléculas momentaneamente agrupadas que, apesar de sua insignificância, conseguem intuir o mistério da criação que as cerca.

Orar é curvar-se ante esse mistério e celebrar a inesgotável magia da vida. Pedi a Pedro que pensasse numa coisa bacana. “Fiquei feliz porque a Pretinha voltou”, ele disse, referindo-se a sua gata, que reaparecera após uma semana de sumiço. “Pois vamos agradecer”, eu disse; e levamos pela primeira vez o rosto ao solo. “Respire com calma”, sugeri. “Os budistas fazem isso”. O importante, frisei, é agradecer mais e pedir menos. Externamos, alternadamente, seis motivos de gratidão. “Agora sim, na última prece, podemos pedir algo”. Diante de sua dúvida, atalhei: “Que tal pedirmos discernimento para tomar as decisões mais acertadas?”. Feita a oração final, recolhemos as toalhas.

Disse por fim Pedro que aquele era o meu Deus e a minha maneira de contá-lo. Que ele poderia ter o seu e reverenciá-lo como bem entendesse. Com um Pai-Nosso ou com um salmo judaico. Deus, procurei explicar-lhe, não se importa com a língua com que nos dirigimos a Ele. Basta que nos sintamos em sua presença. É essa sensação bem guardada em nosso interior, e não a atmosfera lá fora, com seu buraco de ozônio, o verdadeiro céu que nos protege.

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