terça-feira, 7 de fevereiro de 2012

Legado aos nossos filhos

"O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas, burras, grosseiras ou maliciosas".

Uma importante empresa financeira me chamou para falar com alguns clientes. Não sobre finanças, pois eu os arruinaria, mas sobre algum tema "humano" – no meio da crise queriam mudar de assunto. Uma sugestão de tema que me deram foi: "O que esperamos de nossos filhos no futuro". Como acredito que pensar é transgredir, falei sobre "o que estamos deixando para nossos filhos". Acabamos nos dando muito bem, a excelente platéia estava cheia de dúvidas, como a palestrante.

O mundo avança em vertiginosas transformações, e não é só nas finanças ou economias mundiais: ele se transforma a todo o momento em nossos usos e costumes, na vida, no trabalho, nos governos, na família, nos modelos que nos são apresentados, em nossa capacidade de fazer descobertas, no progresso e na decadência.

O que nos enche de perplexidade, quando o assunto é filhos, é a parte de tudo isso que não conseguimos controlar, que é maior do que a outra. Se há 100 anos a vida
era mais previsível – o pai mandava e o resto da família obedecia, o professor e o médico tinham autoridade absoluta, os governantes eram nossos heróis e havia trilhas fixas a ser seguidas ou seríamos considerados desviados –, hoje ser diferente pode dar status.

Gosto de pensar na perplexidade quanto ao legado que podemos deixar no que depende de nós. Que não é nem aquele legado alardeado por nossos pais – a educação e o preparo – nem é o valor em dinheiro ou bens, que se evaporam ao primeiro vendaval nas finanças ou na política. A mim me interessam outros bens, outros valores, os valores morais. O termo "morais" faz arquear sobrancelhas, cheira a religiosidade ou a moralismo, a preconceito de fariseu. Mas não é disso que falo: moralidade não é moralismo, e moral todos temos de ter. Nós gostamos de dizer que estamos dando valores aos filhos. Pergunto: que valores? Morais, ora, decência, ética, trabalho, justiça social, por exemplo. É ótimo passar aos filhos o senso de alguma justiça social, mas então nós indagamos: você paga a sua empregada o mínimo que a lei exige ou o máximo que você pode? Penso que a maioria de nós responderia não à segunda parte da pergunta. Então, acaba já toda a conversa sobre justiça social, pois tudo ainda começa em casa e bem antes da escola.

Não adianta falar em ética, se vasculho bolsos e gavetas de meus filhos, se escuto atrás da porta ou na exten são do telefone – a não ser que a ameaça das drogas justifique essa atitude. Não adianta falar de justiça, se trato miseravelmente meus funcionários. Não se pode falar em decência, se pulamos a cerca deslavadamente, quem sabe até nos fanfarronando diante dos filhos homens: “Ah, o velho aqui ainda pode!”. Nem se deve pensar em respeito se desrespeitamos quem nos rodeia, e isso vai dos empregados ao parceiro ou parceira, passando pelos filhos, é claro. Se
sou tirana, egoísta, bruta; se sou tola, fútil, metida a gatinha gostosa; se vivo acima das minhas possibilidades e ensino isso aos meus filhos, o efeito sobre a moral deles e sua visão da vida vai ser um desastre.

Temos então de ser modelos? Suprema chatice. Não, não temos de ser modelos: nós somos aquele “primeiro modelo” que as crianças recebem e assimilam, e isso passa pelo ar, pelos poros, pelas palavras, silêncios e posturas. Gosto da historinha verdadeira de quando, esperando alguém no aeroporto, vi a meu lado uma jovem mãe com sua filhinha de uns 5 anos, lindas e alegres. De repente, olhando para as pessoas que chegavam atrás dos grandes vidros, a perfumada mãe disse à pequena: "Olha ali o boca aberta do seu pai".

Nessa frase, que ela jamais imaginaria repetida num artigo de revista ou em palestras pelos pais, a moça definia seu ambiente familiar. Assim se definem ambientes na escola, no trabalho, nos governos, no mundo. Em casa, para começar. O palavrório sobre o que legaremos aos nossos filhos será vazio, se nossas atitudes forem egoístas, burras, grosseiras ou maliciosas. O resto é conversa fiada para a qual, neste tempo de graves assuntos, não temos tempo.


Palavra de fé: “Põe tua confiança em Deus e ele te salvará; orienta bem o teu caminho e espera nele. Conserva o temor a ele até na velhice”. (Eclesiástico 2,6)

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