quarta-feira, 28 de setembro de 2011

Bíblia: Perguntas que o povo faz: O mundo foi feito em seis dias? Deus descansou depois da criação?

A narração bíblica sobre a criação do mundo e do homem não oferecia problema: os antigos consideravam como históricos os acontecimentos narrados em “Gênese 1-11”. Na Idade Média, a narração da criação no livro do Gênesis foi considerada alegoria (ficção), de modo geral.


Hoje a ciência levanta dúvidas quanto à historicidade da narração e mostra que muitas afirmações são anticientíficas. Exemplo: o aparecimento das plantas antes do sol: “Gênese 1,11-18”. As visões Bíblicas e científicas são opostas.


Segundo a Bíblia, a criação foi obra perfeita: “Gênese 1,4.10.12.18.21.25.31”. Para a Bíblia o homem aparece já feito, perfeito e feliz. O que estragou esse estado de perfeição foi o pecado: “Gênese 3,1-24”. Segundo a ciência, a perfeição não é a própria das origens. Na origem há imperfeição e a perfeição é alcançada através de uma evolução natural. Daí, a perfeição referida na Bíblia só foi alcançada mais tarde. Nesse sentido o pecado, relatado em “Gênese 3” como queda de um estado de perfeição anterior, é visto por alguns estudiosos não como pecado, mas como um passo à frente buscando a perfeição: o homem quis conhecer mais, saber mais, desfrutar de total liberdade.


Hoje o relato bíblico sobre as origens não é aceito, incondicionalmente, como documento histórico. A narração passou pela crítica científica, exegética, histórica e literária. Temos hoje bem clara e definida a intenção do autor ao escrever isso. Hoje temos a síntese (resumo). Antigamente toda a narração era considerada histórica, na Idade Média alegórica. Hoje sabemos que é essencialmente teológica baseada nas tradições do povo, na cultura do Antigo Oriente e principalmente na fé.


Há muitos que julgam ainda a narração bíblica de ontem com os critérios científicos de hoje. Atribuindo à Bíblia erros que ela não comete, pois ela não faz ciência, mas teologia.


Hoje sabemos, provadamente, que a narração bíblica sobre as origens do mundo e do homem não é um relato religioso único e específico do povo hebreu. Tais escritos religiosos usam forma literária específica comum onde entram o simbolismo, as imagens, as concepções populares, a intenção do autor, a cultura do tempo, etc.


Nesse contexto cultural e histórico é que podemos inserir o relato do Gênesis sobre a criação do mundo em seis dias e o “descanso” de Deus no sétimo: “Gênese 1,1-3”.


Lendo com atenção os dois primeiros capítulos de Gênesis, percebemos que a criação é narrada duas vezes. A primeira: “Gênese 1,1-2,4a” e a segunda em: “Gênese 2,4b”, o início da segunda, pois falam de coisas diferentes.


A primeira narração: longa, solene, minuciosa. A segunda: simples, breve, concisa. As duas falam da criação do mundo, do homem e do paraíso. Por que duas narrações? Porque foram feitas épocas diferentes, por pessoas diferentes, com intenções diferentes e que, mais tarde, foram juntadas numa narração porque se completavam. A primeira foi escrita por um grupo de sacerdotes, e a segunda foi escrita por gente do povo. A intenção de cada grupo ao escrever a história da criação era diferente. O relato sobre a criação em seis dias e o “descanso” de Deus faz parte do primeiro grupo, o sacerdotal. A intenção deles era religiosa e litúrgica.


Os sacerdotes escreveram no tempo em que os hebreus estavam exilados em Babilônia (587 – 539 a.C). Estava o povo fora da pátria, sem rei, sem sacerdote, sem templo, diante de muitos ídolos sofreram pressão para abandonarem a fé e aderir ao Deus Marduc, que era o Deus da Babilônia. Como manter a fé nessa situação? Quem era mais poderoso: Marduc, o Deus da Babilônia vencedora ou Javé, o Deus libertador do povo vencido? Que libertação era essa?


Diante desse estado de desânimo é que surge a narração sacerdotal em “Gênese 1,1-2,4a”. Com a finalidade específica de sustentar a fé do povo, dar sentido à vida e dar esperanças de retorno.


A inspiração dos sacerdotes: Israel recebeu as promessas de Deus em Abraão, e com os patriarcas, e tem a herança do passado. Se agora está exilado é porque se esqueceu de Deus. Voltar para Deus e permanecer fiel a Ele, tudo será reconstruído: haverá nação, rei, templo e sacerdote, pois o povo é e será sempre a “herança do Senhor”: “Salmo 15/16,5”, “Salmo 27/28,9”, “Salmo 46/47,4”, “Salmo 77/78,71”, “Salmo 9/10,16”, e outros.


Em seguida, os sacerdotes ensinaram que era para manter a fidelidade a Deus e continuar sendo sua herança, deveria o povo, evitar o culto dos ídolos e a religião de Babilônia. Como celebrar o culto verdadeiro e participar da vida religiosa se não existia o Templo?


Em resposta à indignação do povo, os sacerdotes montaram o esquema da criação em seus dias como o “descanso” de Deus no sétimo. Não foi uma intenção científica, nem que o mundo foi feito em seis dias de vinte e quatro horas (24) horas e nem em seis períodos de tempo. A intenção foi religiosa: fundamentar o sétimo dia como dia de descanso e culto.


Se Deus descansou, no sétimo dia, também o povo deveria descansar nesse dia (o sábado). Reunir-se em comunidade, ouvir e estudar a Palavra de Deus e cultivar a fé. Portanto, o relato não é histórico, mas essencialmente teológico: o Deus todo poderoso que tudo criou, e o mesmo que criou o povo de Israel. O povo de Deus não desaparecerá. Voltará à sua pátria, ao seu Templo. Precisa manter a fé e ser fiel a Javé.


O “descanso” de Deus não é um repouso físico, mas no esquema literário e teológico para observarmos no sábado como o “Dia do Senhor” e um meio de reunir o povo e manter a fé.


A criação em seis dias, repetimos, é um esquema artificial, feito para terminar no sábado (sétimo dia). O autor não está preocupado em discutir se as plantas devem existir antes ou depois do sol. Com seu esquema, o autor está apenas afirmando que foi Deus quem fez o sol e as plantas. Fala da criação a partir da observação do dia-a-dia: para criar as coisas é preciso ter claridade: “Gênese 1,3”. Fala que existem terra e água: “Gênese 1,6-10”. Árvores, ervas e sementes: “Gênese 1,11-13”. Sol e Lua, dia e noite: “Gênese 1,14-19”, Animais, aves e peixes: “Gênese 1,20-26”. E diz que o homem domina a natureza e os animais, que ele ama e gera filhos, que o homem é um “carbono” de Deus: “Gênese 1,26-31”.


São, portanto seis (06) dias de criação. No sétimo, Deus descansou. O homem “imagem de Deus”, deve também descansar, observar o sábado, celebrar o culto, guardar a identidade religiosa. O esquema do autor é sacerdotal, e não científico, é artificial. Sua intenção não é de fazer histórica, mas teologia.



Palavra de fé: “O Senhor é justo em seus caminhos, e santo em tudo que faz”. (Salmo 144/145,17)

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