quarta-feira, 8 de junho de 2011

Eu, pecador, me confesso

RIO DE JANEIRO – Outro dia, na seção de cartas, um bispo reclamava da avalanche de ateus na imprensa e, entre outros, citava meu ímpio nome. Atribuía-nos anticlericalismo e outras perversidades.

De fato, sou ateu com nostalgia de uma fé que nunca tive. O conceito de Deus nunca me penetrou nem mesmo nos quase dez anos em que estudei em seminário católico.

Desde cedo fui fascinado pelo ritual, suas expressões culturais e teatrais. Gosto, sobretudo de alguns de seus santos, homens como eu, sujeitos aos mil acidentes da carne, que conseguiram se elevar da humanidade mofina através de um comportamento sobre-humano – sem nada terem do super-homem de Nietzsche nem das historinhas em quadrinhos.

Entrei para o seminário no final dos anos 30, as músicas que ouvia eram excelentes (Ary Barroso, Pixinguinha, Noel, Cole Porter, Trenet), mas lá no seminário me afundei no gregoriano, ouvi emocionado a “Messa pro Papa Marcello”, de Palestrina, as cantatas de Bach, os deliciosos momentos de Frescobaldi e até mesmo as últimas produções da música sacra, a missa “Pontificalis” de Perosi, um veneziano que misturou Vivaldi e Puccini em melodias que até hoje, no meio do trânsito de uma cidade suja e violenta, criam um território onde posso ser feliz.

Daí o meu amor pelas coisas sagradas – sem que esse amor seja veneração e muito menos adoração. Em Roma, na igreja de Santa Agnese in Agone, há um estupendo altar de mármore muito branco, nevado, que me emociona. O próprio desenho da igreja, feito por Borromini, rival e desafeto de Bernini, tem muito a ver com minha vida sentimental e – pasmem! – sexual.

Eu sou devoto, mas devoto mesmo, de Santo Antônio e São José, sem falar em Maria, homens e mulher que tiveram carne e sangue, que viveram a contingência humana em sua plenitude.

O que me atrapalha é quando começo a pensar que o conceito de Deus pode estar atrás de tudo isso. Aí fico com raiva e tenho vontade de fazer um rompimento radical com a igreja que criou e generosamente me deu acesso a esse legado de amor e deslumbramento.




Palavra de fé: “A exemplo da santidade daquele que nos chamou, sede também vós santos em todas as vossas ações, pois está escrito: “Sede santos, porque eu sou santo””. (1 Pedro 1,15-16)

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