segunda-feira, 26 de julho de 2010

Mestre, fale-nos de Deus

Uma história do Mestre Benjamim


A tenda do Mestre Benjamim estava cheia. Uma velhinha de voz trêmula e pele cheia de rugas lhe pediu: “Mestre, fale-nos sobre Deus...”.

Mestre Benjamim fez silêncio. Olhou para vazio. Vagarosamente um sorriso foi se abrindo.

“Quantas pessoas aqui, na minha tenda, estão pensando no ar? Por favor, levantem uma mão...”. Ninguém levantou a mão.

“Ninguém levantou a mão... Ninguém está pensando no ar. E, no entanto, todos nós o estamos respirando. O ar é a nossa vida e não precisamos pensar nele em dizer o seu nome para que ele nos dê vida. Mas o homem que se afoga no fundo das águas só pensa no ar. Deus é assim. Não é preciso pensar nele e pronunciar o seu nome. Ao contrário, quando se pensa nele o tempo todo é porque está se afogando...

“Que desejamos para os nossos filhos? Que eles sejam felizes. Sorrimos ao vê-los por aí correr, a pular, a cantar, a brincar, pensando nas coisas de criança. Mas enquanto brincam e riem eles não pensam em nós. Se um filho ao se levantar viesse até você e o elogiasse, e agradecesse porque você lhe deu a vida e jurasse amor para sempre, e fizesse a mesma coisa na hora do almoço, e repetisse os mesmos gestos e palavras ao meio da tarde, e de noite fizesse tudo de novo, suspeitaríamos de que alguma coisa não está bem. O que desejamos é que eles gozem a vida sem pensar em nós. Quem pensa demais e fala demais sobre Deus é porque não o está respirando.

Fez-se silêncio. Foi quando uma lufada de vento entrou pela tenda, fazendo balançar a lâmpada de óleo que pendia o teto.

“Deus é como o vento. Sentimos na pele quando ele passa, ouvimos a sua música nas folhas das árvores e o seu assobio nas gretas das portas. Mas não sabemos de onde vem nem para onde vai. Na flauta o vento se transforma em melodia. Mas não é possível engarrafá-lo em lugares fechados a que eles dão o nome de “casa de Deus”. Mas se Deus mora numa casa estará ele ausente do resto do mundo? Vento engarrafado não sopra...”.

Ouviu-se então o pio distante de uma coruja.

“Deus é como um pássaro encantado que nunca se vê. Só se ouve o seu canto...”. “Deus é uma suspeita do nosso coração de que o universo tem um coração que pulsa como o nosso. Suspeita... Nenhuma certeza. Deus nos deu asas. Mas as religiões inventaram gaiolas.

Tudo o que vive é pulsação do sagrado. As aves do céu, os lírios dos campos... Até o mais insignificante grilo, no seu cricri rítmico, é uma música do Grande Mistério.

É preciso esquecer os nomes de Deus que as religiões inventaram para encontrá-lo sem nome no assombro da vida.

Não precisamos dizer o nome “rosa” para sentir o seu perfume.

Muitas pessoas que jamais pronunciam o nome de Deus o conhecem como reverência pela vida.

Há pessoas que se sentem religiosas por acreditarem em Deus. De que vale isso? Os demônios também acreditam e estremecem ao ouvir o seu nome (Tiago 2,19).

Os homens religiosos, quando alguém morre, dizem: “Deus o levou para si”. Então, enquanto vivo, ele estava distante de Deus? Deus é Deus dos mortos ou Deus dos vivos? Deus não mora no mundo dos mortos. Ele mora no nosso mundo, passeia pelo jardim. Deus é beleza. Quer ver Deus? Veja a beleza do Sol que se põe, sem pensar em Deus.

Quer ouvir Deus?

Entregue-se à beleza da música, sem pensar em Deus.

Quer sentir o cheiro de Deus? Respire fundo o cheio do jasmim, sem pensar em Deus.

Quer saber como é o coração de Deus? Empurre uma criança num balanço porque Deus tem o coração de criança, sem pensar em Deus.

Há beleza demais no Universo. Mas o tempo vai-nos roubando as coisas que amamos. Vai-se o arbusto, vai-se a montanha, vão-se os riachos cristalinos, vão-se as pessoas amadas, vamos nós... O tempo é um monstro que devora os seus filhos. Fica a saudade. Saudade é a presença da ausência das coisas que amamos e nos foram roubadas pelo tempo. Quando se pronuncia o nome sagrado, está se afirmando que a beleza amada não está perdida no passado. Está escrito num poema sagrado: “Lança o teu pão sobre ás águas porque depois de muitos dias o encontrarás...” (Eclesiastes 11,1).

As águas dos rios são circulares, o tempo é circular, o que foi perdido volta, um eterno retorno... Deus existe para nos curar da saudade...

Eu gostaria de dar um conselho: “Não sejam curiosos a respeito de Deus, pois eu sou curioso sobre todas as coisas e não sou curioso a respeito de Deus. Não há palavra capaz de dizer quando eu me sinto em paz perante Deus e a morte. Escuto e vejo Deus em todos os objetos, embora de Deus eu não entenda nem um pouquinho... Eu vejo Deus em cada uma das vinte e quatro horas e em cada instante de cada uma delas, nos rostos dos homens e das mulheres eu vejo Deus...” (Walt Whitman). “Sejamos simples e calmos como os regatos e as árvores, e Deus amar-nos-á fazendo de nós belos como as árvores e os regatos, e dar-nos-á verdor na sua primavera e um rio aonde ir ter quando acabemos” (Alberto Caeiro).

Ouvidas essas palavras a velhinha sorriu pra o Mestre Benjamim e fez um gesto com a sua mão, abençoando-o.

Nenhum comentário:

Postar um comentário