segunda-feira, 4 de junho de 2012

AS FACES DE DEUS




"Como é Deus para você? Diante dessa questão, cada pessoa vai responder diferentemente, e foi a variedade de pareceres que motivou o psicoterapeuta Luiz Geraldo Benetton a indagar: Como se forma a imagem do Criador dentro de nós? Como ela influencia nossas ações? Aqui o profissional aborda perguntas desse tipo e diz como podemos ter uma relação saudável com essa importante imagem interna de nossa psique.

Deus pode ser bondoso, compreensivo. Ou exigente, disciplinador, autoritário e até vingativo. Depende. “A primeira imagem que cultivamos de Deus foi formada em nossa infância. Ela está ligada ao relacionamento que tivemos com nossos pais e com o que, intimamente, esperamos d’Ele”, diz o psicoterapeuta e psiquiatra paulista Luiz Geraldo Benetton, estudioso de psicoteologia, uma linha que une a psicologia com o estudo da espiritualidade, e autor do livro Temas de Psicologia em Saúde (ed. do autor) e do estudo Considerações Psicológicas e Teológicas sobre a Religiosidade no Processo de Individuação.

A imagem que guardamos do Criador influencia nosso comportamento, nossos objetivos de vida e até o que nos deixa felizes ou infelizes. “Podemos perceber essa influência ou não, mas ela existe como um pano de fundo para o que ansiamos e desejamos”, diz Benetton. Segundo ele, todos, independentemente da religião, temos essa imagem interna. “Até os ateus formam uma imagem de Deus. Eles não acreditam em Sua existência, mas, mesmo para não acreditar, precisam de uma imagem como referência”, diz o analista.

Integração interna

O psicanalista suíço Carl Gustav Jung, nascido há 150 anos e criador da psicologia analítica, sempre deu grande importância ao peso que a imagem de Deus tem em nossa psique. Foi ele quem corajosamente ligou a psicologia à espiritualidade, surpreendendo o mundo intelectual da época. “Para Jung, o homem só se realiza se atinge a comunhão com o Todo. A imagem que temos de Deus pode facilitar a integração ou, ao contrário, torná-la distante e inatingível”, diz Benetton, que se formou analista pela Sociedade Brasileira de Psicologia Analítica, ligada às teorias de Carl Jung.

Leia a entrevista com Luiz Geraldo Benetton e veja como se manifesta sua imagem interna de Deus e como ela pode estar influenciando sua vida.

Como a imagem de Deus se forma dentro de nós? Luis Geraldo Benetton A imagem de Deus está muito relacionada à forma pela qual fomos acolhidos em nossa infância pelos nossos pais ou substitutos. Jung dizia que a imago dei (a imagem de Deus presente em nossa psique) está intimamente ligada e depende da imagem parental a que temos de nossos pais. Foi feita uma pesquisa algum tempo atrás na qual foi pedido que crianças de 7 a 8 anos desenhassem Deus. Essas crianças eram de pequenos vilarejos onde não eram expostas à mídia nem à influência de igrejas locais. Todas desenharam Deus com aspectos ou qualidades de seus pais. Essa é uma indicação. Pode-se dizer que pais amorosos e acolhedores nos ajudam a ter uma imagem mais positiva de Deus e que pais mais autoritários e rígidos podem influenciar numa imagem mais intransigente ou punitiva.






BF Como isso acontece?

LGB Os bebês são puro instinto eles esperam que suas necessidades sejam atendidas prontamente. Desejam ser alimentados, cuidados, acariciados e receber calor, afeto, presença. Eles nascem, portanto, com uma expectativa positiva em relação ao mundo. Se pudessem escolher, desejariam que a realidade intra-uterina, em que todos os desejos são satisfeitos, continuasse para sempre. Mas a criança vai aprender, bem depressa, que sempre haverá diferença entre o que ela espera e o que se apresenta como a realidade concreta. A mãe pode não atender a seu chamado, e ninguém pode estar por perto para cobri-lo quando sente frio. O mundo ideal ficou para trás.

BF Começam as frustrações, não é?

LGB O bebê vê que sua vida agora se apresenta cheia de imprevistos, de acidentes, que frustram o mundo desejado. Essa diferença entre o ideal e o real deixa marcas e molda, de certa maneira, quem ele vai ser, a personalidade, os modos de se expressar, os desejos.

BF Como essa vivência vai influenciar a religiosidade da criança?

LGB Esses primeiros momentos de vida, até uns 2 anos de idade, aproximadamente, são importantes para a formação da psique como um todo. Os pais, e também o meio em que vive a criança, vão dar um gosto, um sabor, que ela vai sentir pelo resto de sua vida. Mesmo se for criada num ambiente pobre, mas com muito amor e afeto, é provável que esse sabor seja de satisfação e alegria. Nesse caso, a criança aprende que sua necessidade de amor pode ser atendida. Então, quando a imagem de Deus começa a se formar em sua psique, entre os 3 e os 7 anos, a referência de base será essa, que é muito positiva. Ela passa a considerar Deus como um ser bondoso, amoroso, que conhece o que ela precisa.

BF Você poderia descrever como é a imagem de Deus para a maioria das pessoas?

LGB Para a maioria das pessoas, a imensa maioria mesmo, Deus está ligado à imagem de um ser que satisfaz as necessidades, um provedor, como o pai e a mãe. Se eu quero isso, peço para Deus, se quero aquilo, Ele também me dará. Não estou dizendo que não se possa pedir nada para Deus, mas estabelecer com Ele apenas uma relação de troca é bastante limitador além de muito infantil, claro.

BF E como seria uma relação mais adulta com Deus?

LGB Uma pequena porcentagem das pessoas consegue ultrapassar suas necessidades infantis e amar a Deus acima de todas as coisas, isto é, acima do que possa acontecer a elas pessoalmente. O cristianismo, por exemplo, fala disso no pai-nosso. A primeira palavra dessa oração é abba, que significa “paizinho”, um tratamento carinhoso e aproximativo, diferente da imagem de um Deus distante e amedrontador. Essa vivência já faz diferença. No pai-nosso ainda se diz: “Seja feita a Vossa Vontade, assim na Terra como no Céu”. Isso é muito grandioso. É um convite a ter absoluta confiança em Deus e no que Ele reservou como resposta. Pode-se até pedir, mas reserva-se a Deus a decisão de atender, sem que a relação se abale por isso. O cristianismo introduziu uma imagem não assimilada totalmente até hoje. Esse Deus amoroso e íntimo é pouco conhecido até entre os próprios cristãos. Ainda há a persistência da imagem de Deus do Antigo Testamento pela manutenção de uma mentalidade patriarcal, rígida e dogmática, tanto na sociedade como um todo quanto nos indivíduos.


BF O que as pessoas recusam hoje em dia é essa imagem mais patriarcal e autoritária de Deus?

LGB É provável, mas há contradições. A relação com a idéia de Deus é complicada. Há quem se aproxime desse Deus mais punitivo porque permaneceu ligado a uma educação rígida e autoritária e vê nessa rigidez uma expressão amorosa. É o modelo de Deus de grande parte das religiões que nasceram no mundo patriarcal. Também há quem tenha recebido essa imagem patriarcal da família e a rejeite agora, procurando outro sentido nesse conceito ou, simplesmente, abandonando a idéia de Deus. Há tantas variações quanto seres humanos.

BF Quem recebeu, ao contrário, uma idéia mais amorosa de Deus também pode abandoná-la ao confrontá-la com nossa realidade?

LGB Pode existir esse conflito, sim. Mas é necessário saber distinguir entre Deus e a realidade, que justamente, muitas vezes, é fruto da falta de amor a Deus. O abandono da imagem de Deus recebida da família geralmente resulta da incompreensão de quem é Deus ou de imaginá-Lo apenas de uma maneira infantil.

BF Como a imagem de um Deus punitivo, ou de um Deus amoroso, influencia nosso comportamento?

LGB O Deus punitivo e patriarcal só deseja uma coisa: submissão, completa obediência a suas leis e punição por seu não-cumprimento. Uma imagem interna com essa característica impõe medo de castigo, culpa. Pode, inclusive, ajudar a formar seres humanos excessivamente medrosos e, ao mesmo tempo, autoritários, implacáveis com seus erros e com os dos outros. Quando as leis desse Deus punitivo são transgredidas, acontecem conflitos internos tremendos. Já um Deus mais amoroso e indulgente nos faz ter mais confiança na vida, ter a sensação de que somos aceitos mesmo com nossos limites e ter mais tolerância com o próximo.

BF E quem acredita que Deus é uma realidade apenas interna, uma manifestação de puro amor e luz?

LGB Apegar-se a uma imagem de Deus interna é tão limitador quanto se apegar a uma imagem de Deus externa, que existe só lá fora e não em nosso coração. Na verdade, não há conflito entre essas duas visões. Deus pode ser interno e externo ao mesmo tempo.

BF Deus pode ser encontrado em qualquer religião?

LGB Um dos maiores feitos do papa João Paulo II foi convocar teólogos e especialistas para estabelecer que a salvação pode se dar fora do campo exclusivamente católico. Em outras palavras, isso quer dizer que o cristianismo não tem o monopólio de Deus e que é apenas um dos caminhos que conduzem até Ele. Essa consideração é extraordinária, um convite autêntico ao ecumenismo e à tolerância entre as religiões.

BF O que fazer se nossa imagem de Deus foi deturpada por vivências muito difíceis na infância?

LGB As pessoas tem uma inquietude básica enquanto não se sentem suficientemente amadas e acolhidas quando crianças. Um segundo fator de inquietude é a falta de sentido existencial, que pode, inclusive, ser produto da falta de amor na infância. O amadurecimento pessoal e a formação de um ambiente amoroso e acolhedor no mundo adulto podem aliviar essas inquietudes. A vivência religiosa pode ser, então, perfeitamente permeada pela convivência amorosa entre as pessoas. Isso é muito confortador para quem passou por muitas dificuldades quando era criança.

BF O “amar o próximo como a ti mesmo”?

MT Sim, esta é a grande pista: o amor, o relacionamento entre as pessoas, como uma maneira de viver meu amor por Deus. É na relação com o outro que posso me desenvolver, me curar e poderei me conhecer melhor. De presente, ganho uma maior integração interna, outro sentido existencial para minha vida. Com base nisso, posso reavaliar minha relação com Deus. Aqui ele sempre existe

Cada tradição religiosa apresenta uma imagem. Veja então o que elas dizem.

• CRISTIANISMO: Deus se manifesta sob a forma da Santíssima Trindade: Deus Pai, o Criador; Deus Filho, Jesus Cristo e Deus Espírito Santo, o Consolador. Jesus se dirigia a Deus de uma forma carinhosa e próxima, uma novidade em relação ao Velho Testamento, cujo Deus (Jeová) inspirava temor e respeito.

• JUDAÍSMO: na tradição mística judaica (cabala), Deus é um mistério que não podemos compreender. No entanto, é possível usar a Trindade para representá-lo. Ele se manifesta em três aspectos: kether, a Coroa, o Deus criador dos vários universos, chokmah (sabedoria) e binah (conhecimento). No Velho Testamento, Deus aparece como Jeová, que ama, protege e pune o povo escolhido,muitas vezes com rigor.

• ISLAMISMO: Deus é Alá, e Maomé, seu Profeta. Nas tradições místicas muçulmanas, Deus é descrito como O Amado, por quem nosso coração é apaixonado. Nos países islâmicos, se diz que o ser humano é como uma gota rumo a se dissolver no oceano (Deus). Mais popularmente, o Deus dos muçulmanos é considerado severo, mas que sabe contemplar com delícias a quem o segue.

• BUDISMO: não há uma imagem de Deus. Para os budistas, tudo que existe no Universo tem a mesma natureza amorosa e luminosa , da qual fazemos parte. Essa natureza brilhante é obscurecida por nossas ações e pensamentos. Revelá-la, dizem as tradições budistas, é como limpar um espelho sujo.

• HINDUÍSMO: Deus (Brahman) também é descrito como uma Trindade, com três aspectos distintos: Brahma (criador), Shiva (destruidor e construtor) e Vishnu (mantenedor). Deus se manifesta na Terra sob a forma de avatares (enviados), como Krishna (avatar de Vishnu).

• ESPIRITISMO: segue a tradição cristã. Dá ênfase a Jesus Cristo, o Filho de Deus, o aspecto divino sagrado mais próximo ao ser humano. No espiritismo, acredita-se que Deus se manifesta em outros mundos e dimensões.

• CANDOMBLÉ: Deus criou o Universo jogando seu mastro para cima e o dividindo em duas partes: céu e terra, dia e noite, homem e mulher. Do oceano celeste criado por Ele, nasceu Iemanjá, a mãe de todos os outros orixás as divindades que se relacionam mais diretamente com o ser humano.


Fontes: As Religiões do Mundo (ed. Ground), Dicionário de Símbolos, de Jean Chevalier e Alain Gherrbrant (ed. José Olímpio), Introdução à Cabala, de Philiph S. Berg (ed. Centro de Pesquisas da Cabala), Dizionario del Buddhismo (ed.Avallardi).

Este artigo foi tirado da Revista Bons Fluidos (set/2005). “Fala sobre Deus, não importando a religião."

SITE FONTE: http://www.universodeluz.net

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